No palco duas poltronas. Entra então a vinheta do programa “Música em palavras”. Durante a vinheta entram dois homens e se sentam na cadeira. São dois velhos bem caretas. Rubens, o apresentador, começa a conversar com o “telespectador”.
Rubens – Boa tarde. Eu sou Rubens, o apresentador e está começando mais um “Música em Palavras”, diretamente para a sua televisão. Como vocês estão hoje? Tudo na paz? Eu estou simplesmente radiante, pois teremos um grande programa hoje. Antes de qualquer coisa, eu vou explicar do que se trata o nosso programa: Eu com a minha linda voz, vou recitar para você, querido telespectador, lindas e singelas letras de músicas que com certeza irão emocionar você e toda a sua família. Aqui ao meu lado está o homem que irá comentar as letras recitadas pela minha pessoa, não é mesmo Heráclito?
Heráclito – Exatamente. Eu só estou aqui para no final de cada letra soltar comentários como “Lindo!”, “Genial!” ou simplesmente “Hmmmm...”. É com você, Rubens!
Rubens – Rubens, o apresentador.
Heráclito – Oi?
Rubens – Não fala só Rubens. Eu sou Rubens, o apresentador.
Heráclito – Ah, é? Você faz questão mesmo?
Rubens – Faço.
Heráclito – Eu pensei que você tava brincando lá no camarim.
Rubens – Não, não estava.
Heráclito – Ah, ta. Desculpa.
Rubens – Nada. Quê isso!
(Silêncio)
Rubens – To esperando.
Heráclito – O quê?
Rubens – Fala meu nome de novo.
Heráclito – Ah, sim. É com você, Rubens!
Rubens – O apresentador!
Heráclito – Quê?
Rubens – Você quis dizer “Rubens, o apresentador”, né?
Heráclito – É, você. Rubens.
Rubens – Rubens, o apresentador! Fala “Rubens, o apresentador”! Soa melhor!
Heráclito – Rubéns, o apresentador!
Rubens – Obriga...
Heráclito – Não! Falei errado! Tem que dar a frase toda que senão não faz sentido, né? É com você, Rubens, o apresentador!
Rubens (com uma certa impaciência) – Muito obrigado, Heráclito. Bom, agora....
Heráclito – Peraí. Por que você não fala “Heráclito, o comentarista”?
Rubens – O quê?
Heráclito – Por que você é Rubens, o apresentador e eu Heráclito solto, sem um título?
Rubens – Ta, que seja.
Heráclito – Que seja nada! Quando as pessoas comentarem na rua vão falar: “Você conhece o Rubens?” “Rubens, o apresentador?” “É!” “Conheço.” “E o Heráclito?” “Quê Heráclito?” “Heráclito, Heráclito” “Só Heráclito?” “É.” “Ele não tem nenhum título, tipo ‘o comentarista’?” “Que eu saiba não!” “Ih, então não conheço.” Aí, pronto, ninguém me conhece!!
Rubens – Ta bom, Heráclito.
Heráclito – Como?
Rubens – Heráclito, o comentarista.
Heráclito – Muito obrigado, Rubens.
Rubens – Rubens, o apresentador!!!
Heráclito – Foi o que eu disse.
Rubens – Enfim, vamos ao que interessa, não? A primeira letra do dia que irei recitar:
(Pega uma ficha e começa a ler dela, interpretando cada palavra sem se ligar no que realmente a letra diz. Os parentes em itálico seriam os comentários feitos por Rubens durante a leitura).
Chico Buarque de Hollanda! Começamos bem, hein? “A Ciranda da Bailarina”. Bonito título. A produção separou o melhor trechinho da música para que eu possa recitar:
“O padre também pode até ficar vermelho, (Por que ele ficaria vermelho, gente?!)
Se o vento levanta a batina (Ai, só você Chico...)
Reparando bem todo mundo tem pentel...”
(Repara a palavra, pára e limpa a garganta para disfarçar)
Heráclito (Confuso, sussurrando) – Acabou? (disfarçando) Nossa, Genial! Genial!
Rubens – Não! Creio que essa letra seja um pouquinho forte pro nosso horário. Vamos para a próxima:
(Pega uma segunda ficha)
Bom, essa veio sem título nem autor! Mas a produção é bem competente, deve ser uma letra maravilhosa:
(Vai lendo da mesma forma da primeira)
“Vou mandando um beijinho,
Pra filhinha, pra vovó (Momento Familiar aqui no “Música em Palavras”!)
Só não posso esquecer (Não posso!)
Da minha egüin....” Mas não é possível!
Heráclito – Hmmmmm.... Linda!
Rubens - Pára! Essa letra é deprimente!! Eu já sei o quê que é isso!!
Heráclito - O quê?
(Rubens sai de si)
Rubens (se levanta) – Isso é um boicote dessa produção filha da puta!!!
Heráclito – Quê isso, Rubens?
Rubens – Rubens é o caralho!! É Rubens, o apresentador, seu merda!
Heráclito – Meu Deus.
Rubens – Pára de fazer tipinho, Heráclito. Aliás, mas que nome de merda é Heráclito?? Seus pais deviam estar muito bêbados quando resolveram te dar um nome tão escroto! Ou simplesmente eles têm nomes muito escrotos também e resolveram seguir uma pequena tradição familiar de nomes feios, incompreensíveis e quase impossíveis de se falar!! Mas apesar de você se chamar Heráclito eu gosto de você. Juro que gosto! Se junte a mim. Vamos se rebelar contra essa produção escrota, Heráclito!
Heráclito – Heráclito? Só Heráclito, sua bicha loca???!! É Heráclito, o comentarista!!
Rubens – É isso aí! Onde já se viu??!! Só porque eu, humildemente, pedi 67 toalhas brancas, 68 toalhas azuis, 69 toalhas marrom esverdeado e 28 garrafas de água de coco para o meu camarim, estourando o orçamento de três anos da emissora, tudo isso na maior humildade lógico, eles resolvem me humilham dessa maneira??!! É um absurdo!!
Heráclito – Você pediu isso tudo mesmo?
Rubens – Pedi! E pediria mais se pudesse.
Heráclito – Porra, eu não tenho nem um camarim só meu. O máximo que eu tenho é um banheiro ali no corredor pr’eu me trocar antes do programa.
Rubens – Ah, é sobre isso que eu queria te falar. Vou pedir pra você não usar aquela banheiro porque agora eu to trazendo o meu cachorro pras gravações e ele precisa de um lugar certo pra fazer cocô. Você não precisa daquela banheiro, né?
Heráclito – Não, deixa pra lá. Você sabe que eu faria qualquer coisa pra...
Rubens – É mermo, é??? Foda-se!! Ninguém perguntou nada!! Você ta comigo ou não tá?
Heráclito – Tô, né?
Rubens – Ótimo! Vamos mandar todo mundo tomar no cú??!
(Entram três seguranças da emissora)
Segurança Chefe – Não vai mandar nada!
Seguranças – Não vai mandar nada!!!!
Rubens – Quem é você?
Segurança Chefe – Eu sou o chefe de Segurança da Emissora.
Seguranças - Eu sou o chefe de Segurança da Emissora!!!
Heráclito – Vocês também?
Segurança Chefe – Não, eles são simples seguranças.
Seguranças - Não, eles são simples seguranças!!!
Segurança Chefe – Só repetem tudo o que eu digo.
Seguranças - Só repetem tudo o que eu digo!!!
Segurança Chefe – Berrando.
Seguranças – Berraaandooo!!!
Segurança Chefe - E vocês estão presos.
Seguranças – E vocês estão presos!!!
Rubens – Mas o quê que a gente fez?
Segurança - Meu amigo,deixa eu te ensinar uma coisa: Você tem que se controlar. Só porque você sofre um pequeno trote da sua produção não lhe dá o direito de sair xingando Deus e o mundo em plena gravação. Isso prejudica a sua imagem e a imagem da emissora. Isso serve pra você também, Herác... Seja lá como for o seu nome! Só porque o coleguinha resolve sair xingando você vai atrás? Não pode ser um “Maria– vai–com–as-outras”! Se ele pulasse de um prédio, você pularia? É claro que não. Então esse banimento da emissora vai servir a vocês dois como lição e espero que vocês consigam refletir e rever todos os seus conceitos.
(durante essa fala, os dois seguranças tentam repetir, mas o Segurança Chefe emenda uma fala na outra. Quando ele acaba, eles tentam alguma coisa:)
Seguranças – Maria-vai- com..... lição.... rever... conceitos.....
Segurança Chefe – Não precisa repetir absolutamente tudo, imbecis.
Seguranças (felizes por terem conseguido repetir) – Não precisa repetir absolutamente tudo, imbecis!!!
Segurança Chefe – Vambora.
Seguranças – Vambora!!
Heráclito – Vocês não podem me prender!! Eu preciso desse emprego! Onde eu vou trabalhar com essa porra de nome?? Quem vai querer um funcionário chamado Heráclito??!! Ninguém!
(Os seguranças saem de cena levando Heráclito que continua reclamando até sair de cena. Fica Rubens e Segurança Chefe)
Segurança Chefe – Vamos, seu Rubens.
Rubens – É Rubens, o apresentador.
Segurança Chefe – Oi?
Rubens – Foda-se.
(Sai por espontânea vontade acompanhado por Segurança Chefe logo atrás sem entender nada.).
Texto de 2005.
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